O porquê de Fragmentário


Um diário é um conjunto de apontamentos que se apontam dia a dia - desses não tenho, por isso não escrevo diários -, de soluços aos solavancos, fruto das horas mortas e dos momentos inadequados do não sentir. Por isso, “Fragmentário”. Onde o navio? Sem navio...



sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Sol de Inverno

Ao Chiado, espreitando por sobre as guedelhas esbranquiçadas, o sol de inverno é tão fraco que nem consegue aquecer os transeuntes. Envergonhado por se encontar tão fraco, este sol de inverno,limita-se a espreguiçar-se, espraindo os raios pelas persianas das janelas.
A minha janela, escancarada agora. Cortinados abertos, deixo o sol invadir os meus aposentos. Saio, vou à varanda, extasio-me. O mar que cerca Lisboa galgou as margens e veio fundir-se com o Tejo.
Regresso à vida, respirar de o novo é urgente.

Dizem-me que este ano o pai natal foi madrasto, até para as crianças. Culpa da crise financeira mundial, ou tão só alterações climatéricas?

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Juventude inquieta

Ao sairmos à rua no mês de Novembro, ali para os lados do B.A., pode acontecer-nos, vermos lindas margaridas florir.

Ò quem dera voltar ao tempo do bibe sujo de terra no quintal...

Brincar no adro da Igreja da nossa infância! Um dia brincámos;

Sentarmo-nos na relva frente à Reitoria da cidade universitária! Um dia sentámo-nos...

Amanhecermos cansados - longa foi a noite ...

terça-feira, 13 de julho de 2010

Lisboa toda a noite e todo o dia

Esvai-se a noite na cabeça, lento agitar de emoções febris
Martelar monocórdico das horas paradas no relógio vislumbrado
Passam-se anos, sonhos desfeitos de mil cansaços da rapariga
alegrias infantis, boreais, etéreas, quem diria...

Caíu rápida mas não foi breve, a noite
Sonhados olhos doces, olhos tristes de incontida dor
Campos de amendoeiras e alfarrobeiras a perder de vistas
Sombras de outros campos, trigais ao vento, Alentejo em flor

Cerraram-se os olhos, já escureceu no Cais
Uma gaivota soltou-se, tenta chegar aos beirais
Fundiu-se com a noite, lá vai ela, em sua louca viagem

Os néons baços de todas as grandes cidades - Paris, à noite
Contrastando com a luminosidade intensa de Alexandria
Que linda que é Lisboa ao meio dia. E que bom que é o cheiro a maresia

quinta-feira, 25 de março de 2010

Novas Avenidas velhas

Procurei o teu cheiro nas Avenidas Novas, disseram-me que te tinhas mudado para lá. Mais luminosas, ficaram, por certo, as Avenidas Novas! Quem florirá agora quando se abrirem os jasmins do jardinzito frente ao escritório?

À Pinheiro Chagas, em tempos idos, acorriam outras flores...

Da esquina da Rua da Conceição até ao Limoeiro qual será a extensão? Ò sim, que da Rua Palmira até bem dentro do meu coração sei bem a distância que vai...

Flores de esperança, é necessário voltar a plantar, vem aí a Primavera. Consertem-se os vasos partidos, plantem-se novos jardins surrealistas com palmeiras raquiticas e laranjeiras abespinhadas, encham-se de cores monocórdicas os vasos nas varandas dos quintais.

E a música, baixinho, entoando aos meus ouvidos, alegóricos hinos, caricias de sol poente ao entardecer...

Sentirmos o cheiro intenso das hortênsias, ouvirmos o chilrear da passarada...

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Antecipando o Verão

Longas e frias as noites neste Inverno que nunca mais acaba e devia estar a acabar. Sonhos quentes acabados de sonhar; jogos eróticos por inventar; Sodoma e Gomorra!

A memória meio arreliada por desperta contra vontade. Longas cantatas à desgarrada com o Ti Cunha em intermináveis noites eltílicas no pino do Verão...

- Cala-te sino da igreja - dizia o Ti Cunha, quando o badalo martelava as cinco no sino. - Não vês que o galo ainda não cantou e são férias de Verão???;

Frias as peças do jogo de xadrez espalhadas em anárquico campo de batalha. Dois poeões sacrificados por troca do bispo branco. Engatilhado, porém, o ataque de cavalaria;

Assim vai, o tempo, esse mestre escultor, o tempo de Yourcenar!

"time to live, time to die" Jim Morrisson dixit.

Fechem as janelas das casas todas não vão os virus infecciosos dos perniciosos patarecos que por aí andam à espreita querer entrar...

Escrevinhar as ideias; preencher o branco do papel. No mais, ser eterno, conversar com deus.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

S. Gonçalo de Amarante

Numa escolha aleatória fui parar a Amarante, inicio de carreira nos tribunais. Aos pés o Porto, à cabeça o Marão. Subimos a Serra e demos com ela. S. Gonçalo, a Pousada. "Se fizermos um filho havemos de chamar-lhe Gonçalo em honra do santo" Não fizemos, não lhe chamámos.
Paraste o carro no parque vazio e dirigimo-nos à recepção. O granito trabalhado da fachada e o rendilhado de cal branca subindo pelas paredes; O vermelho das tijoleiras envernizadas nas arcadas e o ocre das telhas luzidias no telhado.
Reza a história que a Pousada foi, noutros tempos,uma ermida de uma antiga ordem religiosa. Chamaram-lhe de S. Gonçalo em honra ao Santo casamenteiro residente na cidade de Amarante. Hoje faz jus ao laicismo pois nem é Domingo e nem sinais do sino a chamar para a missa. Altivo o sino e bem falante. Em dias de nevoeiro, que bem os havia, o seu eco despenhava-se pela encosta e ia morrer no adro da Igreja.
Pobres dos sinos, já não chamam, e se chamassem, quem os ouviria? Até os pináculos da torre da capela coram de vergonha pois espetaram-lhes com um cata-vento em cima.
ò deus das intempéries, ò oráculos das fúrias do vento e inimigos do bom tempo, vinde sobre nós, soterrai-nos aqui para sempre!

Entrámos e a recepcionista, sorridente e cúmplice, depois das boas vindas foi mostrar-nos o quarto.
- Podem escolher, esta noite a Pousada fica por vossa conta.
Gostei tanto de ti nessa noite que te incentivei a reservar um quarto para as férias do Carnaval que estavam próximas. Assim fizeste.

Os cães não fizeram o milagre e o cordeiro foi, uma vez mais,sacrificado.